6. Análise em Fluxo

Os métodos de análise em fluxo compreendem todos os métodos analíticos que são baseados na introdução e processamento de amostras em fluxos.

As técnicas de análise em fluxo têm encontrado um número crescente de aplicações no controle de qualidade e controle de processos industriais devido às inúmeras vantagens que apresentam em relação aos métodos clássicos de manipulação de soluções. Algumas destas vantagens são: curto tempo de análise, que permite uma alta frequência de amostragem e grande economia de reagentes, que leva a significativa redução dos custos de análise e do acúmulo de resíduos tóxicos.(USP)

Amostras e reagentes circulam dentro de uma tubulação que pode ser vista como um laboratório fechado onde o contato com o meio externo é evitado e os intervalos de tempo de cada etapa pode ser controlado com precisão.

Uma classificação preliminar pode ser baseada em dois aspectos:

O que permite a seguinte classificação:

Figura 2. Classificação dos métodos de análise em fluxo. (Zagatto, Oliveira e Collins)

Classificação dos métodos de análise em fluxo. (Zagatto, Oliveira e Collins)

6.1. Análise por Injeção em Fluxo (FIA)

"A Análise por Injeção em Fluxo não deve ser explicada. Deve ser demonstrada" Karlberg e Pacey, 1989

A Análise por Injeção em Fluxo envolve a injeção rápida da amostra em um fluxo contínuo (não-segmentado) de uma solução de transporte (carreadora).

Os fluxos dos reagentes e da solução de transporte são combinados nos pontos de confluência antes do sistema de detecção. A solução da amostra sofre dispersão e se mistura com a solução de transporte e com os reagentes formando um produto que é transportado para o compartimento de detecção e em seguida descartado.

As condições de dispersão ou diluição da zona da amostra pode ser controlada, e otimizada, para atender às necessidades do procedimento analítico. Esta otimização pode ser feita pelo controle do volume injetado de amostra, velocidade de fluxo da solução de transporte e dos reagentes, comprimento da bobina de mistura e diâmetro da tubulação, dentre outros.(IUPAC)

A animação ilustra de forma simplificada o modo de operação de uma Analisador por Injeção em Fluxo com as seguintes etapas:

  1. Amostra (azul) e o reagente (verde) são bombeados continuamente por uma bomba peristáltica,

  2. a amostra é injetada no fluxo de solução transportadora, contendo o reagente, através de uma válvula de injeção,

  3. dentro do reator helicoidal (ou bobina de mistura) o segmento de amostra (azul) reage com o reagente (verde) formando um produto (vermelho) que é quantificado ao passar pelo detector.

Figura 3. Analisador por Injeção em Fluxo Contínuo (FIA)

Analisador por Injeção em Fluxo Contínuo (FIA)

As dimensões do reator helicoidal, o volume da amostra injetada e as velocidades de fluxo são otimizadas para o sistema químico que está sendo usado, visando atender a demanda analítica com boa seletividade e baixo limite de detecção (LD).

Importante esclarecer que FIA e HPLC (High Performance Liquid Cromatograph ou Cromatografia Líquida de Alta Eficiência - CLAE) são técnicas com objetivos diferentes.

O objetivo da cromatografia é separar e detectar vários componentes de uma amostra, enquanto que "a" FIA é usada para criar um sinal detectável de um único componente da amostra.

Enquanto a HPLC opera com altas pressões, da ordem de 1000 psi, para forçar a eluição da amostra através da coluna cromatográfica, na técnica FIA raramente se utiliza pressões acima de 7 psi. Além disso a HPLC não oferece a mesma reprodutibilidade e a mesma dispersão que um sistema FIA pode oferecer. Karlberg e Pacey, 1989

Para entender as vantagens dos sistemas de análise em fluxo vamos examinar a questão da reprodutibilidade nos procedimentos analíticos tradicionais, em lote, nos quais amostra e reagente são misturados de forma manual com o uso da vidraria tradicional de laboratório, pipetas, balões etc.

A figura ilustra um procedimento analítico típico onde uma quantidade conhecida de amostra (A) e reagente (R) são misturados em um béquer comum formando o produto AR.

Figura 4. Esquema simplificado de uma análise tradicional onde amostra (azul) e reagente (verde) são misturados e após algum tempo e aquecimento formam o produto (vermelho) que é quantificado com um sistema de detecção (DET)

Esquema simplificado de uma análise tradicional onde amostra (azul) e reagente (verde) são misturados e após algum tempo e aquecimento formam o produto (vermelho) que é quantificado com um sistema de detecção (DET)

A velocidade de formação do produto e o tempo para atingir o sinal máximo dependem basicamente da velocidade de homogeneização da mistura e da cinética da reação e pode ser monitorado pelo aumento do sinal analítico ao longo do tempo, conforme mostra a figura.

Figura 5. Aumento do sinal analítico ao longo do tempo para três diferentes análises da mesma amostra.Karlberg e Pacey, 1989

Aumento do sinal analítico ao longo do tempo para três diferentes análises da mesma amostra.Karlberg e Pacey, 1989

A temperatura pode ser mantida sob controle e ser reproduzida na análise de diferentes amostras, no entanto a velocidade de agitação é uma variável de difícil reprodutibilidade pelos métodos tradicionais. O gráfico do sinal analítico ao longo do tempo mostra a necessidade de estabelecer um tempo mínimo de espera (T2) até o sistema atingir o sinal máximo. Tempos menores (T1) podem levar a diferentes leituras comprometendo a precisão e a exatidão.

Essas diferenças no sinal analítico para tempos menores (T1) se deve à irreprodutibilidade da agitação pelos métodos convencionais.

A grande vantagem dos sistemas de Análise em Fluxo é justamente a grande reprodutibilidade do processo de mistura de amostra e reagente(s).

6.2. Análise por Injeção Sequêncial (SIA)

A Análise por Injeção Sequêncial, proposta por Ruzicka e Marshall nos anos 90 (J. Ruzicka e G.D. Marshall, 1990) é uma alternativa à técnica de FIA com características diferenciadas

Nos sistemas de Injeção Sequêncial (SIA) uma sequência (não-segmentada) de zonas de amostra e reagentes é montada dentro de uma bobina de mistura usando um sistema de bombeio bidirecional (peristáltica ou pistão) e uma válvula de seleção multiposição (ou multiportas).

Com o transporte desta sequência contendo amostra e reagentes para o sistema de detecção ocorre a mistura e a formação de uma espécie detectável que é quantificada ao passar pelo detector e em seguida descartada.

Em cada entrada da válvula de seleção multiposição (ou multiportas) podem ser conectadas amostras, padrões, reagentes, saída para o detector etc. Isto oferece versatilidade ao sistema pois diferentes procedimentos analíticos podem ser executados simplesmente com alterações no programa de controle sem qualquer alteração física no sistema.(IUPAC)

A animação ilustra de forma simplificada o modo de operação de uma Analisador por Injeção Sequêncial com as seguintes etapas:

  1. A válvula de seleção alinha a bobina de reação com a amostra (azul) e a bomba peristáltica aspira um volume determinado da amostra para dentro da bobina de mistura,

  2. em seguida a válvula de seleção realinha a bobina de mistura com a entrada do reagente (verde) para que a bomba peristáltica possa aspirar o volume correspondente do reagente (verde),

  3. a válvula de seleção alinha a bobina de mistura com o detector e a bomba peristáltica reverte a direção de bombeio e transfere a mistura reacional, contendo o produto (vermelho) para o detector.

Figura 6. Analisador por Injeção Sequêncial (SIA)

Analisador por Injeção Sequêncial (SIA)

Um sistema SIA pode ser classificado como um sistema de análise Multiparâmetro, enquanto que um sistema FIA é tipicamente um sistema Uniparâmetro pois exige alterações físicas na tubulação para a realização de diferentes procedimentos analíticos.

A maior versatilidade da técnica SIA implica num maior tempo de análise (~2X) do que a técnica FIA e portanto apresenta menor produtividade analítica.

6.3. Equipamentos Comerciais para Análise em Fluxo

A empresa Global FIA comercializa analisadores e componentes para sistemas de análise em fluxo (FIA/SIA) com uma estrutura modular.

Figura 7. Analisador FLOPRO-9P da empresa Global FIA

Analisador FLOPRO-9P da empresa Global FIA

A empresa FIAlab também fornece analisadores e componentes para sistemas em fluxo.

Figura 8. Analisador FIA/SIA FIAlab3500 da empresa FIAlab.

Analisador FIA/SIA FIAlab3500 da empresa FIAlab.

Outro fornecedor de equipamentos para análise em fluxo é a empresa Lachat.

Figura 9. Sistema QuikChem 8500 para análise por injeção em fluxo (FIA) da empresa Lachat.

Sistema QuikChem 8500 para análise por injeção em fluxo (FIA) da empresa Lachat.

A OI Analytical também oferece produtos baseados em análise em fluxo.

Figura 10. Sistema Flow Solution FS 3100 para análise por injeção em fluxo (FIA) ou fluxo segmentado (SFA) da empresa OI Analytical.

Sistema Flow Solution FS 3100 para análise por injeção em fluxo (FIA) ou fluxo segmentado (SFA) da empresa OI Analytical.

6.4. Análise em Fluxo por Multicomutação

Um sistema de Análise em Fluxo por Multicomutação pode ser definido, de forma simplificada, como um sistema no qual comutadores independentes, controlados por computador, controlam os fluxos de amostra, reagentes e solventes através de uma rede de tubos interconectados permitindo comutar (redirecionar) os fluxos e portanto implementar diversos procedimentos analíticos de forma totalmente automatizada. (Anal. Chim. Acta, 2002)

Este conceito permite aliar a alta produtividade da técnica de injeção em fluxo com a versatilidade da análise sequêncial e economia de reagentes em um único sistema.

O termo "comutação" na análise em fluxo significa basicamente "mudar a direção de um fluxo". Na prática isso pode ser feito com o uso de válvulas solenóide de 3 vias ou de estrangulamento.

Figura 11. Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa Bio-Chem Valve

Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa Bio-Chem Valve

Figura 12. Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa NResearch

Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa NResearch

Figura 13. Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa Valcor

Válvulas de 3 vias e de estrangulamento da empresa Valcor

Uma única válvula é possível redirecionar o fluxo de saída ou entrada conforme a figura abaixo.

Figura 14. (a) Comutação do fluxo de saída. (b) Comutação do fluxo de entrada. As linhas pontilhadas indicam o fluxo após a comutação com o acionamento da válvula de 3 vias.

(a) Comutação do fluxo de saída. (b) Comutação do fluxo de entrada. As linhas pontilhadas indicam o fluxo após a comutação com o acionamento da válvula de 3 vias.

A associação de duas ou mais válvulas permite a montagem de sistemas de análise em fluxo por multicomutação (MCFA - Multicommutation in Flow Analysis) com os quais é possível realizar de forma automatizada várias etapas de um procedimento analítico tais como: diluição, amostragem binária, reamostragem, pré-concentração, dentre outras.

Figura 15. (a) Associação de 2 válvulas de 3 vias. (b) Associação de 4 válvulas de 3 vias. As linhas pontilhadas indicam o fluxo após a comutação com o acionamento das válvulas de 3 vias.

(a) Associação de 2 válvulas de 3 vias. (b) Associação de 4 válvulas de 3 vias. As linhas pontilhadas indicam o fluxo após a comutação com o acionamento das válvulas de 3 vias.

O conceito de multicomutação tem sido usado na montagem de inúmeros sistemas de análise em fluxo. O primeiro exemplo é o trabalho realizado pelo grupo do Prof. Boaventura F. Reis (Anal. Chim. Acta, 1994) onde foi utilizado um sistema de multicomutação com amostragem binária.

A animação abaixo ilustra o conceito de amostragem binária onde um sistema de multicomutação com uma bomba peristáltica na extremidade mantém o fluxo do sistema e no qual 3 válvulas solenóide de 3 vias são acionadas sequencialmente permitindo a inserção controlada, e em série, de amostra (azul), reagente (verde) e solução de transporte (cinza) que se misturam dentro da bobina de mistura formando o produto detectável que entra no detector e em seguida é descartado.

Figura 16. Amostragem binária em um sistema de multicomutação com três válvulas solenóide de 3 vias.

Amostragem binária em um sistema de multicomutação com três válvulas solenóide de 3 vias.

Sistemas de multicomutação podem ser usados para a determinação de mais de um parâmetro por amostra e portanto podem ser classificados como um sistema multiparâmetro. Como exemplo podemos citar o sistema concebido pelo grupo do Prof. Boaventura F. Reis (Anal. Chim. Acta, 1996) no qual foi montado um sistema para determinação sequêncial do íon amônio e do íon fosfato em uma mesma amostra.

6.5. Publicações em Análise em Fluxo

Aproveito a oportunidade para registrar o meu elogio e agradecimento pelo excelente trabalho que o Prof. Fábio Rodrigo Piovezani Rocha vem realizando para a democratização da informação disponibilizando na Internet suas publicações sobre análise em fluxo. É um exemplo a ser seguido!